A Sophie tem uma angústia. Talvez tenha várias camufladas e concentradas numa só gota minúscula que a atormenta de noite e de dia.
O tempo diz-se que cura tudo. Mas o espectro temporal nem sempre povôa o mundo de pensamentos bons. Nem sempre conduz à "dita" cura de sentimentos, pensamentos e acções.
Sophie tem uma crise de ansiedade. Grave. Chega a perder os sentidos. Naquele momento perdido no tempo, algures numa esquina de um intervalo de vida, o coração saltou para fora do corpo de tal forma galopante, que impulsionou um estrago momentâneo dos restantes sentidos. Começou antes. Foi do nada. No meio da rua, num parque perto do seu trabalho, onde almoçava tranquilamente só. Um medo inexplicável acordou. Um medo já familiar, cada vez mais forte. Naquele instante, as árvores dobraram e deixaram de comunicar. Ou talvez a audição tenha ficado perdida no furação silencioso. Foi uma implosão. Um estalido no ouvido. Deixou de ouvir e a voz estava seca e sem projecção. As mãos molhadas tremiam e o corpo tomou uma dimensão de tal forma desamparada que caiu num todo.
Os seus sonhos eram brancos. Sonhos de visão turva. Sophie tinha muita dificuldade em projetar-se num futuro distante. Os medos eram de tal forma absorventes que jamais permitiam os sonhos coexistir.
O seu trabalho transpirava monotonia. Ou quem sabe, a ansiedade e o medo o tenham colocado em segundo plano. Nada mais era confortável ou importante. Somente o medo consumia. Medo de quê? Das pequenas coisas. Das grandes coisas. Mas que medo é esse…?
Sophie compreende que nada mais faz sentido. Todas estas rotinas a sufocam e a perdem.
Nada é como era. Já não é quem era. Não dá para voltar atrás. O fim.
Chegou o momento de encontrar uma última alternativa. Talvez fazer uma acompanhamento psicoterapêutico. Um psiquiatra. Um psicólogo. Qualquer coisa que a resgate deste silêncio ensurdecedor. Uma fuga do presente e da sua vida. Do fim.
O médico de família receita um anti-depressivo. Um ansiolítico SOS.
O psicólogo receita um resgate do medo. Um tempo subjetivo. Um sofá ainda desconfortável, suspenso em palavras que a vão definir e espelhar a sua autenticidade. Com o tempo. Relembrar um passado que dói mas não lembra.
E assim, com empatia e amor terapêutico, Sophie inicia a sua caminhada.
Uma consulta semanal, sempre à mesma hora e ao mesmo dia. Um compromisso. Um tempo delimitado pelo próprio tempo. As palavras que libertam dor são limpas pelos lenços de papel. São renovadas e desmontadas. Um passado que se liga a um presente. Que se ligarão a um futuro de objetivos. As palavras custam a sair. As lágrimas e a dor no peito valem mais do que mil palavras. Dizem dor e mágoa. Dizem desamparo e medo.
Nada mais interessa. A dor precisa de ser contida. Urge uma escapatória. Uma alternativa.
É então resgatada uma ponta solta do novelo escondido da esperança. É possível.
Empatia. Compreensão. Palavras. Colo. Dor. Lágrimas. Lenços de papel. Palavras. Passado. Sonhos. Mais palavras. Esperança. Ansiedade. Controlo. Sintomas. Resistência. Auto-estima e confiança. Partilha. Cumplicidade. Palavras. Tempo. Mais palavras. Definição. Confronto com o medo. Reconstrução. Curativo. Flexibilidade. Culpa. Perdão. Libertação. Autonomia. Palavras.
O tempo não cura tudo. O tempo de qualidade pode curar. Aos poucos. Sessão a sessão. palavra a palavra. O sofá é mais confortável. O sofá já é como seu. Os lenços de papel acabaram. Chegou a hora de voar. Sem medos. O medo está lá. Estará sempre. Mas já não é assustador como era. As crises de ansiedade são acalmadas pelo vento.
Obrigada Sophie.
Obrigada pelo sucesso palavra a palavra.
Obrigada pela partilha.
Pela confiança.
Pela perseverança e força.
Não foi um processo fácil.
Não acredito em processos de mudança fáceis.
Adeus. Até um dia.
O sofá já é confortável…. demais.
Cátia Ruas Antunes
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